A única coisa que quebrava o breu daquele cômodo era a luzinha piscante do rádio-relógio que ficava em cima do criado-mudo. O quarto era carente de mobílias e tinha as janelas vedadas pra impedir a entrada de luminosidade. Ana dormia no canto do quarto, um instinto natural de evitar ainda mais a luz solar. Aos poucos foi se livrando dos bens do antigo dono. Praticamente tudo foi jogado fora, só restara um armário, pra guardar as roupas que ela ainda mantinha de seu passado que não gostava muito de recordar. Quase no mesmo instante que o Sol baixou no horizonte, ela abriu os olhos. A fome era devastadora, parecia que as paredes dos estômago iam começar a se consumir a qualquer momento. A necessidade de se alimentar era imensa.
Ana vestiu uma roupa, se maquiou e saiu. Essa era uma noite de caçada, assim como todas as outras.
Não era muito de falar, não precisava. Ela seduzia sem precisar proferir uma palavra, homens eram previsíveis demais pra perder tempo em conversas. Os olhos gatunos hipnotizavam. Os lábios vermelhos, literalmente tingidos de sangue eram um convite à imaginação maliciosa. Ela usava sempre preto, dizia que o preto era discreto e agressivo ao mesmo tempo, a cor era uma definição dela. Os cabelos negros como a noite escura faziam uma moldura perfeita pro rosto, que já era uma bela pintura. A sua pele era pálida, mas não morta, a tonalidade da pele era maravilhosa.
Festas, adorava festas. Não por sempre ter o que comemorar, mas por que em festas sempre tinha o tipo de gente preferido de gente. Jovens que acham que sabem de tudo se achavam melhores que todos, filhinhos de mamãe mimados que sempre tinham o que queriam. Essa era a presa preferida de Ana.
As roupas eram chamativas, sem serem vulgares, sensuais sem serem pornográficos. Nunca mostravam demais e sempre deixavam a imaginação alheia trabalhar. Ela adorava isso, os olhares. Alguns olhavam sem pudor, desejando o seu corpo de uma forma até descarada.
Um rapaz com cabeça raspada, desses típicos bad boys de balada falava alto, batendo no peito, contando vantagens aos amigos numa rodinha à beira de um bar. Se achava melhor, isso era claro. A conversa regada à bebidas, clássica na juventude. Ana já tinha escolhido sua vítima, mas não iria se manifestar, não ainda. Sentou-se numa mesa vaga ao lado dos rapazes, sentou-se sozinha e pediu apenas uma água.
A jugalar dele saltava enquanto ele esbravejava as histórias que tinha batido em vários moleques que olhavam feio nas baladas. Ana não prestava atenção na história, mas a veia saltada no pescoço daquele rapaz era excitante. Ela ouviu os comentários sórdidos sobre ela, mas fingia nem notar.
Ela direcionou o olhar pro seu escolhido, o contato visual é a única coisa que ela precisava pra laçar uma vítima e isso já tinha conseguido. Olhou no fundo dos olhos dele e levantou, sem dizer nada. Apenas seguiu seu caminho, tendo certeza que ele a seguiria. Beto, o rapaz de cabeça raspado levantou e ia caminhando em direção de Ana quando um dos amigos dele tentou pará-lo.
- Beto, onde você tá indo, mano? - Perguntou o amigo, segurando forte em seu braço.
- Não sei, velho, só sei que eu preciso ter aquela mulher. - Beto, estava com um tom de voz estranho, parecia hipnotizado.
Caminhou, sem saber onde estava indo, apenas seguia aquela mulher. Que corpo era aquele?
Ana estava esperando num canto afastado da praça, Beto caminhava acelerado, praticamente correndo. Quando ele chegou à encontro dela, tentou falar alguma coisa, mas algo semelhante a um soluço indecifrável saiu de sua boca. Estava mesmerizado.
- Oi... - Beto, tentando se aproximar.
- Cala a boca! - Ana respondeu ríspida.
Ela o agarrou e o jogou contra a parede antes mesmo que ele pudesse terminar a palavra que estava tentando dizer. Beto estava paralizado, mas estava se deixando levar, era diferente uma mulher com tanta atitude, e diga-se de passagem, que atitude!
Ana arranhava enquanto beijava e dava mordidas delicadas nos lábios. Beto estava praticamente em êxtase e sem nenhum pudor retribuia os afagos cheios de malícia. Ela parou de beijar e começou a acariciar o pescoço dele, leves lambidas e beijos suaves o deixavam ainda mais excitado quando de repente uma mordida mais forte o machucou.
- O que foi isso, sua vadia? - Dizia Beto enquanto a empurrava por reflexo.
- Fica quieto, eu gosto assim! - Ana mal terminava de falar e já estava grudado nele de novo.
Beto achava que tava começando a ficar estranho, mas aquela mulher o deixava à ponto de bala e não conseguia ir embora. Antes de conseguir ordenar novamente os pensamentos, sentiu uma pontada aguda no pescoço. O que aquela mulher estava fazendo? Que tipo de excentricidade era aquela? Tava bom, mas estava começando a incomodar. Ele tentava se desvencilhar dela, mas parecia que as suas forças estava sendo sugadas. Alguma coisa estava sendo sugada de fato, mas não era sua energia.
Aquele gosto meio salgado, meio amargo que lembrava gosto de ferrugem era maravilhoso. O líquido quente descendo em sua garganta era revigorante. Ela estava acalmando o seu estômago, logo não estaria mais ardendo de fome.
O corpo de Beto estava tremulando, a perda de sangue já tinha sido grande de mais. Ana não iria parar enquanto não sorvesse a última gota de seu corpo, nunca parava. Beto parou de tremer. Agora fazia parte das estatísticas dos jovens mortos nas noites paulistanas. Ela deixou o corpo inerte por alguns minutos enquanto iria procurar um jeito de eliminar os resíduos. Passou numa loja de conveniência e conseguiu alguns sacos de lixo, voltou até o corpo e com uma faca de caça que sempre guardava na bota esquartejou o defunto. As partes foram colocadas nos sacos de lixo. Cada saco foi despejado em uma lata de lixo diferente. A polícia teria, literalmente, um quebra-cabeças pra desvendar.
Não estava mais faminta, agora começaria a diversão.